sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Confissões de liquidificador


Tenho tanto para contar  rapaz , mas ando tão nervosa que já perdi o jeito de escrever , de me virar do avesso tentando me colocar no papel .

Então vem logo me achar , que eu já cansei de dar murro em ponta de faca .
Que eu já cansei de me sentir tão fraca , de não saber o modo exato de me orientar.

Ando tão farta de te procurar entre outros olhos ,
que às vezes penso ter alguma venda me impedindo de encontrar.

E a minha mente mais parece um liquidificador ambulante ,
rodando , batendo a mistura , triturando .
Sem me dar alguns segundos pra provar o que existe ali dentro.

Só me resta essa pressa misturada com a fadiga ,
de andar a procura do que a maioria supõe não existir.

De entrar nos lugares tateando o nada , conhecendo gente
passando os olhos por tantas caras sem ter qualquer certeza de que é você ali.

Mas eu lhe deixo o recado , mesmo que seja em anonimato ,
de que ao me encontrar seja direto , olhe bem assim , dentro de mim.
Como se fosse me perfurar , ''decifra-me ou te devoro''.

E só assim eu vou saber que achei.

É árduo demais procurar pelo amor , pelo nosso amor .
Sem comerciais , televisão , algum cartaz ou qualquer coisa que indique.

Mas ao encontrar assim ao acaso , num dia qualquer , eu sei que te acho.

Vou amarrar à nossa volta um laço , e talvez assim não me deixe nunca mais.

sábado, 25 de dezembro de 2010

l'avortement

Seu amor é um abandono,
sim é exatamente isso que essa sua ‘noção’ de amor representa agora.

Ausência, abandono, um vácuo.

Entenda querida , já não existem laços , apenas nós.
Nós apertados , que machucam , vão prendendo,
rasgando de dentro pra fora de forma lenta , torturando cada pedaço.

Não, por favor não me chame ,
não me venha com esses olhos que se revestem de olhares antigos,
daqueles que me faziam hesitar por qualquer motivo ,
porque eu sei que por trás de tudo não existe quem eu achei que existisse.

Entenda de uma vez, eu não quero nada que seja seu.

Apenas perceba que eu não consigo entender
como alguém pode dizer ‘eu te amo’ durante anos e abrir mão daquilo que lutou pra ter.
É tão cômodo ter uma responsabilidade cuidada por outros,
é ironicamente tão bom que a pessoa que está
‘geneticamente programada para amar você’ não ame .

Esse amor que você diz sentir por mim não passa de um castelo de areia na beira da praia,
de palavrinhas ao vento.

Por que é tão dificil entender que eu já não acredito em mais nenhuma palavra sua ,
e qualquer coisa que você argumentar eu irei rebater?
Qualquer passo que você der em direção à mim eu recuarei três vezes.
E não me peça para ter paciência, não me peça para conviver,
pois eu só quero na minha vida quem me faz bem ,
e a tua presença já deixou de me fazer bem há tempos .

Vai logo, porque eu não aguento mais ter que te ver assim inteira
enquanto os meus pedaços estão espalhados por aí .
Que eu não aguento te ver vivendo
enquanto todos os dias eu vou morrendo aos poucos ,
uma morte lenta e um corpo mal cuidado .
Vai pra onde tem que ser porque eu não aguento mais a indiferença
e intolerancia das tuas ações com relação a tudo que nos envolve,
o comodismo acoplado em ti , o medo que existe em viver o que nem foi vivido.

O amor que foi ‘abortado’ ainda se move, acredite .

E não existe um dia que eu não chore pelo que se perdeu ,
por tudo o que eu acreditei , por tudo que ameaçou e não chegou a ser,
por todas as vezes que me senti dispensavel , invisivel .
E das vezes que chorei por mimo no teu colo ou na falta dele ,e chorei por ingratidão,
e chorei por sentir humilhação nas palavras que saíam de ti depois de tudo o que eu amei,
e não foi pouco amor , disso eu sei.

Eu dei tanto, dei mais de mim do que eu achava que poderia dar,
e em troca eu recebi farpas , arranhando , ardendo , me fazendo sangrar pelos olhos.
Os olhos que antes te faziam ficar mais vinte minutos do que o teu horário permitia .

Sinto a dor do baque, uma dor que chega a se tornar física.

Mas um dia há de passar.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Bailado cósmico.

  Uma sala no terceiro andar, o sol entrando de um lado e ela vindo na vertical com os braços abertos, como se fosse abraçar o mundo. As pontas dos dedos anestesiadas pela repetição dos movimentos.
  O chão de madeira e na parede a sombra vaga, funcionando como um retroprojetor natural, refletindo a dança da menina. A terapia dela era essa, uma onda elétrica que a percorria de dentro para fora, transformando em movimento tudo aquilo que a afligia e que a cortava.
  Era uma dança solo, desenhando com a ponta dos dedos sobre a madeira fria, um círculo. Ela carregava a leveza da alma enquanto sentia poder abraçar o mundo durante os passos. Um espetáculo individual, transcendental, um bailado cósmico. Não havia música de fundo. Na verdade ela existia, mas alí no íntimo dela e ecoava.