segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Diário de receitas



Regue suas plantas, molhe seus pés, corte suas folhas mortas, siga a luz do sol, aceite o tempo de brotar e o movimento dos bichos, adube seus silêncios para que, dessa forma, serenamente, recomece todo o ciclo.

domingo, 26 de abril de 2015

Preguiça distraída




Nos dias
em que a gente não tem
energia elétrica externa
mas a de dentro aparece
pra empurrar
os domingos pra frente.

Pra assobiar
a preguiça distraída
que aparece nas fotografias,
pra registrar
qualquer coisa assim à toa
qualquer canto assim bem tímido.

Pois então
nesses domingos
que eu penduro
o meu cansaço
finjo que sou de aço
e sopro os dias pro alto
com outros ares
que vêm do pulmão.


Em 15/06/13

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Bom dia.

Hoje sempre pode simbolizar
finis ou gênesis do teu mundo
à parte isso
segura num ímpeto
o segundo
que corre
enquanto escolhe.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Viroses e vantagens.



O melhor de ficar um pouco gripada e ter de permanecer em casa não é poder tomar chá a toda hora ou espiar a tevê enquanto trabalha, não é observar as variações do sol sobre o céu que vai cobrindo o fim da rua. O melhor é aquele momento em que o gato lhe escala desde os pés - uma tensão deliciosamente familiar - pedindo que você o aninhe em seus braços e então você o embala como a um bebê, e ele ronrona sem intervalos enquanto pede que você aproxime o rosto porque quer beijar, o beija à sua maneira, e se estica testando diferentes formas de permanecer confortável enquanto existe essa ligação, e você acha que tudo o mais é uma grande bobagem, porque experimentar um pacto como esse é só um pedaço do grande fluxo, um tipo de camaradagem, que instaura isso a que chamamos casa, isso a que chamamos alegria.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Inícios ou a desmistificação dos opostos.


Acrescento a figura real do pai na cozinha, fazendo sopa de letrinhas com cozido de frango e falando pelos cotovelos. O que jamais vi, presenciei ou permití antes. Sim, por si só, isso já tornaria minha segunda-feira no mínimo atípica, justamente por fazer uma das coisas que raramente faço: conversar com ele durante o almoço ou durante o curso da própria vida (talvez por incompatibilidade de pensamentos, gestos e a mania de evitar os tantos aborrecimentos já conhecidos, ou para simplificar, como mamãe diz: dois bicudos jamais se beijam). O que fica desse tempo bem aproveitado é a fotografia junto a conclusão igualmente simples e precisa:  não se deve seguir resistindo a certas aberturas ou tomar como absoluta a crença de que é repelente a diferença entre as pessoas, ainda é melhor saber escutar, saber não só da superfície mas do que vive no fundo, a fim de não cometer tolices, para que se possa falar mais tranquilo e sentir reciprocidade na tranquilidade das falas que saem, fazendo as pazes, em tempos muitos de permanente emburrecimento. Depois me veio a urgência de número dois, o dever de buscar encontrar o riso no tanto de siso que a vida impõe aguentar. Por aí se pode dizer que hoje arranquei os sisos, a anestesia me foi dada de graça, exatamente como essas felicidades que, por acaso, tornam dormente toda  bobagem que a gente costuma dizer quando cai com o olhar por cima do olho do outro e machuca, encarando o bicho da convivência como quem encara um inimigo de morte, como quem morre de raiva mas não mata, ao contrário, dá ainda mais vida na tentativa de ver melhorar, sem se dar conta.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O que fica.


Nos dias anteriores a morte do astrônomo Carl Sagan, sua mulher, a roteirista Ann Druyan, esteve permanentemente ao seu lado, na cama, sussurando ao seu ouvido "tudo muito bem-feito; com o orgulho e a alegria de nosso amor, eu o deixo partir", enquanto esfregava a pele de seu rosto contra a dele. Também lhe dizia: “1º de junho. 1º de junho” - senha de acesso à felicidade do dia em que se declararam um ao outro. Naquele 1º de junho, 20 anos antes, eram colegas de trabalho: faziam pesquisas para o registro fonográfico que viaja hoje pelo espaço a bordo das naves Voyager 1 e 2. Ann se refere a ele como “o dia santo do amor”, o dia da “heureca”. “O momento em que se revela uma grande verdade, que seria confirmada pelas inúmeras linhas independentes de evidências nos vinte anos seguintes. Mas também a admissão de um compromisso ilimitado. Uma vez admitidos neste mundo de maravilhas, como poderíamos ser felizes fora dele?”.

Esse relato está no epílogo que, dilacerada pela dor, em fevereiro de 1977, Ann escreveu para “Bilhões e bilhões”, último livro de Sagan. Foi neste texto em que pensei quando tivemos a notícia, há alguns meses, de que a Voyager 1 se tornara o primeiro artefato a ultrapassar os limites do sistema solar, carregando “suas revelações sobre um pequenino mundo embelezado pela música e pelo amor”. É ele que invoco sempre que penso no luto. Ou, talvez, sempre que penso no amor, e na ideia que tenho dele.

Mais recentemente, em 2012, o autor inglês Julian Barnes escreveu um relato belo e corajoso sobre o intenso luto em que se meteu após a morte de sua mulher, cinco anos antes (“Altos vôos e quedas livres” que saiu no Brasil ano passado, pela Rocco).

Lendo o Julian Barnes e relendo a Ann Druyan, me ressinto por não conseguir me lembrar de nenhum relato tão marcante e recente sobre outra espécie de luto. O luto pela pessoa que se extinguiu não na morte, mas num tipo de “heureca” similar em intensidade e oposta em sentido àquela experimentada por Sagan e Ann em seu 1º de junho. (Ricardo Lísias tentou há pouco tempo atrás, mas sinto que desperdiçou seu inegável talento em páginas de literatura mediana). De repente, a pessoa amada simplesmente não existe mais; mas o amor, sim. E, em paralelo à dor do luto, há a perplexidade e o ressentimento pela descoberta: a pessoa se extinguiu porque nunca existiu; fora, desde sempre, um terrível engano. Me refiro, claro, a algo muito diferente das idiossincrasias e pequenos enganos da vida a dois.

Também penso na pergunta que um amigo fez a mim e a outras pessoas numa sala de aula, há alguns meses: “mas o que te incomoda no mundo, de verdade?”. Não sei se estaria no topo da minha lista, mas uma possível resposta seria: a súbita falha, contemporânea, na veemência do amor. E a palavra que quero usar é exatamente essa: veemência.

A forma como nós, hoje, dificilmente vivemos com visceralidade a experiência amorosa. O amor como enovelamento ao mundo tornando-se impossível – ou raro. Como tornou-se rara a cumplicidade não resignada, mas de fato apaixonada, que faz com que Julian Barnes, cinco anos depois da morte de sua esposa, ainda se dê ao direito de conversar com ela, tal qual um ventríloquo distraído. Talvez me incomode que estejamos todos atados ao exercício compulsivo de exibicionismo, à isca que as redes sociais exibem todos os dias para fisgar a vaidade e o egoísmo, proliferando a mentira e formas muito tacanhas de desejo.

Talvez me incomode que, ao olhar ao redor, eu veja muito pouco ou quase nenhum resquício daquele 1º de junho em que Ann e Sagan disseram “sim” ao telefone, tendo certeza de que, enquanto estivessem vivos, experimentariam um tipo de compromisso que não teria nada a ver com romantismo ou aprisionamento, mas sim com curiosidade e entrega, coragem e respeito ao que é um luxo delicadíssimo no intricado funcionamento do mundo, este do qual tentamos dar notícias por meio de duas naves que, espera-se, vão sobreviver a um futuro inimaginavelmente distante.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Soma e resultado da tua presença.




Mal começou o ano e já estamos em Fevereiro, bem soube que viria a esse mundo e já se completam oito meses de vida. O mundo parece às vezes assombrado por pequenas pressas, vê? Faz tanto tempo que quero escrever, expressar e guardar com afeto essa existência que o peito recebe e se enche de alegrias, transborda  nos escancarando janelas invisíveis para paraísos simples, como os daqueles que sabem extrair dos escuros uma ponta de luz. É da simplicidade da tua presença que quero falar, porque é o que mais tem me comovido desde a tua chegada. Mergulhar nos teus olhos é como voltar ao estado mais primitivo de ser, é lembrar que a vida tem cheiro de menino Joaquim, sabor-promessa-de-futuro-bom e o som do riso dos imaculados.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Constatações de uma vida ou mais.




Possuo três sóis e seis braços de lar. Revejo fotos e imagino cheiros de estimação que se perderam no decorrer do processo de crescimento, por sorte ainda me restaram alguns que aliviam a saudade de ser menina até hoje. Me ocorreu que sempre escutamos "mãe é quem cuida/cria e não só quem tem de barriga", pois adianto que a primeira da ponta esquerda fez os dois, estas duas ao lado cuidaram. Poderia também ter escrito "estas duas ao lado só cuidaram" mas cuidar não é "só isso", criar faz crescer tanto amor quanto parir. Imagino que seja como receber em mãos algo desconhecido e fascinante, e de repente se surpreender com a pretensão de viver muitos anos para descobrir onde vai dar, querer fazer o melhor que se sabe e aplicar os ensinamentos dos que nos cuidaram e os que cuidaram destes últimos e já cumpriram o combinado com o Deus. Chega então o dia em que o que se cria  fica forte o bastante para que retribua como num gesto involuntário, sem pedidos ou previsões, com naturalidade sinônima a de uma jardineira fiel para com suas árvores, que já na velhice, nos dias de sol forte, recebe a sombra de tudo aquilo que ajudou a zelar.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Sobre os inícios.




Ainda existem dias em que não se precisa de muito, qualquer passarinho na janela é motivo pra festejo. Tomando de exemplo os desse janeiro que já dura, tanto bate até que fura corações, certa vez, feitos de pedra.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O último passarinhar.



Gosto
quando
me chama
de passarinho,
assim
até imagino
poder voar.

Acontece
que prefiro
(re)pousar
no teu ombro.

Seguir
desfrutando
da liberdade
que é
permanecer
no ninho,
preparando cantos
e manhãs

pra
nós.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Que atire a primeira sujeira.

Lamentável é que ainda exista essa coisa de se achar tão limpo a ponto de apontar o sujo do outro, se incomodar, gritar indignações, como se isso de alguma forma diminuísse a quantidade de secretas imundícies que todos, sem exceções, cometemos.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Anotações e a mini qualquer coisa que não encontro coragem de juntar.

São dias arrastados
por todas as lembranças
dessas marcas
tanto as de sol
como as das gentes
passando
tão apressadas
que talvez
nem notem
ter caído
delas
um pedaço
pelo caminho
que nós somos.